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O que podemos aprender com a Miss Brasil 2017: beleza interna importa e irradia

Monalysa Alcântara é alta, muito mais alta que a média das piauienses, e magra, muito mais magra do que a maioria também. Os cabelos armados e definidos chamam a atenção, mas tem outra coisa que não é verificável a olho nu sobre a piauiense que ganhou o título de Miss Brasil 2017 na noite do último sábado (19/08): ela tem força interna, energia, vontade, ou seja, nela se vislumbra uma aura daquilo que chamam de garra. Pelas características físicas, a estudante de Administração já se destaca, não há como negar – mas mesmo falando de um concurso de beleza, o que ela transmite vai além dos traços do corpo. Estamos falando de essência.

Se de tudo tira-se uma lição na vida, como afirmam os clichês de autoajuda que invoco vez ou outra quando é dura a caminhada, o que então uma menina de 18 anos, negra, que sofreu preconceito, com origem humilde e que, para arrematar, iluminou o país vencendo o Miss Brasil, pode nos ensinar?

Quando conheci Monalysa durante entrevista ao programa OitoMeia na rádio Jockey FM no último dia 27 de julho, esperava uma conversa comum entre uma miss e dois jornalistas – eu e Allisson Paixão: falar dos desafios, planos para o Miss Brasil, dicas de beleza e por aí vai. Só que por aí não foi. Saí da entrevista diferente do modo como entrei e talvez essa seja uma das graças do jornalismo: olhar nos olhos e trocar experiências de vida com pessoas ricas por dentro de um modo que você nunca perceberia se não parasse para ouvir. O jornalismo mais dá do que tira aos seus profissionais e isso a gente quase não percebe.

Quando saiu da boca de Monalysa que sentia feia quando mais jovem, minha cabeça registrava um questionamento bobo e óbvio: como uma menina tão linda como ela poderia se sentir desprovida de beleza? “Eu não me achava bonita, mas eu queria ser feliz, me sentir bem. E o mundo da moda me permitiu brigar, batalhar para chegar aonde eu queria”, ela disse isso e aí compreendi que assim como a miss Piauí, são muitas as mulheres presas em um padrão de beleza inalcançável. O desejo se firma na ausência: as lisas querem cachos, as magras querem curvas, as loiras querem ser Cleo Pires, as morenas almejam ser Grazi Massafera.

Ser mulher e negra num local tão desigual, machista e racista, é ser duplamente forte. Triplamente consciente dos desafios. É preciso ser muito inteligente para sobreviver a isso e se destacar. Quando ouvi Monalysa falar, entendi que ela não era só bonita, ela era inteligente e tinha um plano traçado para vencer o Miss Brasil

A mulher mais bonita do Brasil um dia se achou tão feia e incapaz. Achou, verbo no passado. Porque assim como a Monalysa é uma dose de autoestima ambulante e alegre, o desânimo de quem se vê refém em um campo de sofrimento – por se achar feio, burro ou incapaz seja lá do quê – também pode dar lugar à confiança na própria astúcia de vencer nesse confuso jogo que é viver.

Duas negras, por dois anos seguidos premiadas como as mais belas do Brasil: uma lição por si só (Foto: Divulgação Band)

ACEITAR QUEM SE É

A insatisfação só deixa de existir quando dá espaço a aceitação. Quando comecei no jornalismo, era óbvio que eu tinha algum problema de dicção. Nada grave, mas não era também imperceptível: eu falava palavras que continham a letra “s” – e isso inclui meu próprio nome, para você ter dimensão do problema – com aquilo que chamam de língua presa. Ainda hoje falo, mas bem menos. Em nenhum momento eu achei que isso poderia me impedir de estar na televisão, por exemplo, de apresentar um programa de rádio diariamente, de entrevistar personalidades, nada disso. Eu sabia que o problema existia mas ele não me incomodava. O que o mundo enxergava como defeito eu absorvia como parte de mim e eu não sou sem arestas. Nossas falhas nos constituem. A aceitação é o primeiro passo.

Estou falando de mim, dos meus exemplos banais quando lembro da Monalysa, mas sei que ao ler esse texto você vai entender que todos nós temos pequenos nós que nos prendem em um poço sem fundo, uma eterna queda. Só os que acordam percebem que a queda não é real, é só um sonho, e é preciso despertar e lutar para sair do poço que é uma vida de rotinas e eternos obstáculos como é a de todo mundo. As rotinas e os eternos obstáculos não vão deixar de existir, não se engane, a diferença é que você vai estar acordado e isso fará toda a diferença para enfrentá-los.

De origem humilde, a piauiense posa com o carro que ganhou na premiação do concurso de Miss Brasil (Foto: Divulgação Band)

“TUDO QUE VOCÊ PRECISA ESTÁ EM VOCÊ”

“Eu acho que tudo está em você. Não é preciso estar num local X ou Y ou ter um carro, um celular tal. Quantas vezes eu já não quis estar na festa tal, e vi que não era essas coisas toda. Você precisa apenas ser você”. Quando Monalysa disse isso na entrevista, percebi por que ela ganhou a coroa de Miss Brasil no último sábado, vencendo outras 26 competidoras tão lindas quanto ela.

Essa auto-estima, essa necessidade quase indomável de vencer é própria das piauienses. Somos sim um dos estados mais pobres do país. Não por culpa de governante A ou B, mas reflexo da história do Brasil, do modo como o Piauí foi colonizado e de como as elites e o povo travaram lutas por séculos para definir os caminhos do estado. Ser mulher e negra num local tão desigual, machista e racista, é ser duplamente forte. Triplamente consciente dos desafios. É preciso ser muito inteligente para sobreviver a isso e se destacar. Quando ouvi Monalysa falar, entendi que ela não era só bonita, ela era inteligente e tinha um plano traçado para vencer o Miss Brasil.

“Eu acho que tudo está em você. Não é preciso estar num local X ou Y ou ter um carro, um celular tal. Quantas vezes eu já não quis estar na festa tal, e vi que não era essas coisas toda. Você precisa apenas ser você”, diz Monalysa

Querer ter o tênis ou o iPhone da moda, querer ter músculos ou barriga chapada, querer viajar para o exterior ou fazer um intercâmbio e aprender inglês fora, passar na graduação ou se formar. São muitos os empecilhos que colocamos para viver a plena felicidade no momento presente. Só vai existir uma felicidade real quando você conseguir esses objetos e projetos que tanto almeja? Sim, você vai ficar contente na hora pelo telefone, pelo corpo, enquanto está no avião a caminho do destino que planejou. Não há nada de errado em celebrar suas vitórias. Mas se o vazio está em você, ele vai com você para onde for. Não condicione ser feliz a ter ou ser algo que você já não tenha ou já não seja. Não confunda ter objetivos com se enganar e retardar viver a sua vida hoje, como ela é, do modo como você é.

BELEZA INTERNA DE MONALYSA IRRADIA

Quem assistiu à final do Miss Brasil não pode deixar de comentar ou admitir: ela mereceu. Mostrou a simpatia, a malemolência, o charme, a sagacidade e a coragem que os jurados não tiveram outra opção, simplismente não poderiam ignorar. Haviam outras moças bonitas, talvez até mais que Monalysa, que ainda é jovem, com o perfil de modelo, mais magra do que os padrões que se espera de uma Miss, de um estado completamente secundário quando se trata de concursos de beleza. Então por que ela venceu?

Pelo conjunto, de dentro e de fora. Até em concursos que tratam de estética, a beleza interior importa. O modo como falou, como defendeu seus pontos de vista, falou de sua origem, do empoderamento, da raça e de ser mulher, foram decisivos para mostrar que ela, além de bonita, era mais. É por isso que tantas meninas ou homens bonitos não passam de cascas ocas e também é por isso que tantas moças e rapazes sem gominhos mas com conteúdo, se destacam mais, levam o carinho e de quebra os prêmios e conquistas que só a beleza por si só não permite.

Até em concursos que tratam de estética, a beleza interior importa. É por isso que tantas meninas ou homens bonitos não passam de cascas ocas e também é por isso que tantas moças e rapazes sem gominhos mas com conteúdo, se destacam mais

SE PREPARE

Monalysa Alcântara era apaixonada por concursos de beleza e essa vontade não ficou adormecida esperando que uma fada madrinha lhe mostrasse o pote de ouro no final do arco-íris. Ela perseguiu isso com paixão, quase como quem não tem escolha a não ser buscar o que acha ser merecedor. Muitas pessoas desistem exatamente naquele momento chave, onde as coisas ainda estão difíceis mas já começam a ficar interessantes. Os momentos mais difíceis não devem ser abandonados pela dificuldade, o desconforto. Como um jogo de videogame, você só passa de fase quando as coisas se tornam mais complicadas.

Fracassar traz sofrimento para o ego, mas o ego não é você, é só uma parte do seu psiquismo. Não faça autópsia nos seus fracassos, não fique tentando dissecar exatamente o que deu errado, não há como voltar ao tempo. Aceite, reconheça a derrota e siga. Se você não consegue ainda fazer o que quer, faça qualquer outra coisa, só não fique parado.

A lição, quem dá é a própria Miss Brasil 2017: “Eu fiquei no segundo lugar no Miss Brasil Teen, que aconteceu em Fortaleza (CE), no ano passado. Engraçado que quando estava na final, de mãos dadas com a paranaense que saiu vencedora, eu não ouvi meu nome como vencedora, eu fiquei assim: ‘Poxa, deve ser porque Deus tem algo maior para mim’”.

Para terminar, a música que inspira a nossa piauiense mais ilustre de 2017 é quem dá o tom do que está por vir:

Se você não aceita o conselho, te respeito

Resolveu seguir, ir atrás, cara e coragem

Só que você sai em desvantagem se você não tem fé

Se você não tem fé

Te mostro um trecho, uma passagem de um livro antigo

Pra te provar e mostrar que a vida é linda

Dura, sofrida, carente em qualquer continente

Mas boa de se viver em qualquer luga

(Anjos, o Rappa)

Charge do Izânio Façanha para o OitoMeia ressalta a piauiensidade da nova Miss Brasil 2017

POR: Sávia Barreto / Oito Meia

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