DestaqueJaicósNoticias

GENTE DA NOSSA GENTE| Paulo Pereira, a história inspiradora de quem traduz a vida em versos de cordel

Paulo passou a morar em Jaicós, cidade pela qual ele não deixa de declarar seu amor.

Ainda antes de o sol nascer, no meio dos cajueiros se podia ver Paulo. Trazia cajus em suas mãos e completava mais uma caixa. Mãos já calejadas pela enxada que usava para limpar as roças, ajudando seu padrasto a tirar o sustento da família. Caminhava por entre aqueles cajueiros com o pensamento distante. Dentro de si, aquele sonho de ser gigante. Sonho de, com aquelas mãos, construir um futuro.

Assim começa a história do cordelista e palestrante Paulo Henrique Pereira, 24 anos, natural de Picos-PI. Passou parte da infância no bairro Parque de Exposição, na mesma cidade. É filho de dona Maria do Carmo e seu Miguel Pereira, porém, ainda na infância, passou a ter também como figura paterna o padrasto, seu Raimundo Sousa. Aos 8 anos,Paulo passou a morar em Jaicós, cidade pela qual ele não deixa de declarar seu amor.

“Jaicós é uma cidade pequena de um povo gigante. Seu maior bem é seu povo. Gente de força, fé e hospitalidade. Jaicós é como se fosse uma mãe que ama seus filhos e os filhos dos outros. Afinal, me amou, incentivou, cuidou e apoiou, mesmo sabendo que sou filho de outra cidade. Por isso que onde chego, falo que sou um jaicoense de Picos!”, conta.

O filho de “do Carmo”, teve a infância um pouco difícil. Sempre trabalhou muito para ajudar no sustento da família. Começou a trabalhar com 6 anos de idade. Acordava logo cedo para colher caju, às 3 horas da manhã. Às 7 horas ia ao colégio e quando retornava, às 11 horas, ia destalar castanha e ralar macaxeira. Nos dias em que não estudava, saía para capinar o mato das roças para ajudar o padrasto. Era apenas um menino que a vida já ensinava a ser forte, a enfrentar as dificuldades e vencer os seus maiores medos.

Começou a escrever assim que chegou em Jaicós, quando tinha apenas 8 anos de idade, no momento em que ganhou da mãe um livreto de cordel chamado “As proezas de João Grilo”, do autor João Ferreira de Lima. O livro tinha sido dado a ela por uma vizinha que acabara de chegar de São Paulo. O cordelista atribui a ele o interesse pelo cordel, considera o autor a sua maior inspiração na arte de cordel.

“Quando eu li esse livreto pela primeira vez, eu fiquei apaixonado porque eu sempre escrevia, mas nunca tinha escrito em forma de cordel. Quando eu tive o primeiro contato com o cordel, foi uma espécie de amor à primeira vista. Desde então, tudo que escrevo é em forma de cordel”, relata o cordelista.

Na adolescência, vendia picolé pelas ruas de Jaicós, ganhando diárias de 15 reais, chegando a fazer, na época, um salário mínimo por mês. “Tudo que aparecia eu vendia pra poder ajudar em casa e ter uma renda. Só que isso nunca atrapalhou meus estudos, nunca deixei de estudar”, lembra.

Paulo Pereira hoje possui mais de 10 mil seguidores no seu Instagram, onde posta seus versos, vídeos sobre o seu dia a dia, trata de assuntos de grande relevância e busca ajudar pessoas que necessitam, muitas vezes, apenas de algumas palavras. São palavras e versos que falam fundo no coração de cada um.

Ele lembra que sempre sonhava em contar a sua história e ajudar as pessoas. Conta que já tinha uma ideia de tudo que tinha para falar em uma palestra. Acreditou tanto em seu sonho que criou um cartaz de sua futura palestra: “O nordestino e o poder de transformar a desgraça em graça – uma palestra diferente”. Afirma que contava aos amigos, que desacreditavam. Lembra ainda que somente sua namorada Josely sempre acreditou em seu sonho.

O sonho de ser palestrante estava apenas no papel, até que um dia a professora Talita Selene viu seus cordéis e perguntou se ele não tinha alguma palestra pronta para que fosse apresentada a alunos do curso de Informática do Pronatec, na cidade de Padre Marcos. Mesmo tendo escrito apenas parte da palestra, respondeu que tinha. Concluiu sua palestra e apresentou. Foi aí que iniciou sua vida de palestrante.

O cordelista, além de palestrante, é compositor e repórter da TV Gallo. É um exemplo de que, com pequenas atitudes, se pode alcançar e mudar vidas. Alguns versos ou vídeos tratando de assuntos delicados para a sociedade, quando divulgados em suas redes sociais, tem grandes efeitos, na medida em que ajudam pessoas a lidarem com situações semelhantes àquelas tratadas.

Conta que um momento que lhe marcou foi quando, após uma palestra, um senhor esperou até que todos os jovens tirassem fotos com Paulo, somente para agradecer pela palestra, pela história e por motivá-lo. Conta ainda que recebe muitas mensagens agradecendo pelas palavras e pelos versos, principalmente de pessoas que, muitas vezes, pensam em suicídio.

Paulo Pereira, com toda certeza, se tornou esse gigante que outrora sonhava ser. A história há de reconhecer os seus feitos e colocá-lo entre os grandes da nossa terra. O cordelista é alguém simples que consegue inspirar a muitos. Foi essa simplicidade e a forma com que ele consegue tocar as pessoas que chamou a atenção deste colunista que vos escreve.

Quem você considera sua maior inspiração?

Como pessoa e exemplo de vida é a minha mãe, que passou pela luta que foi criar a gente. Como poeta, é o João Ferreira de Lima, que foi o primeiro cordelista que tive contato. Me identifico muito porque ele é o cara que consegue passar uma mensagem de forma leve. Ele faz um humor muito inteligente. Eu pretendo muito escrever sempre assim, sendo inteligente na forma de falar, mas sem ter escrita pesada, que seja leve para que tanto um adulto, quanto uma criança entenda.

Qual o maior desafio enfrentado por você?

Acredito que a desvalorização do meu trabalho, a falta de oportunidades, a falta de valorização da literatura de cordel, de valorização dos poetas e a falta de espaço de espaço em eventos e rádios. No começo foi muito difícil para mim, mas hoje tem mudado muito, graças a Deus.

O que mais te dá forças para seguir os seus objetivos?

Minha família, minha mãe. É poder dar o melhor para ela, pra ela cuidar melhor da saúde. É ajudar minhas tias, tem umas tias que passam dificuldade. A minha irmã também. Quando falo em ajudar, não é dar dinheiro, é dar oportunidade. O que falta não só para minha família, mas para muitas pessoas é a oportunidade. Por exemplo, a minha irmã trabalha com bolos, mas ela não tem estrutura e eu queria dar essa estrutura, para que ela abrisse seu próprio negócio. Eu queria lançar meus livros e ter os meus trabalhos com palestras e trazer minha irmã ou minha tia para trabalhar comigo e me assessorar. Então, os meus sonhos são assim e o que me faz seguir são eles. Tudo que faço e escrevo é por eles. Toda vez que corro atrás desses sonhos é por eles. Do outro lado tem o povo, que me dá forças para que eu siga atrás dos meus sonhos. Desde uma criança que vem falar comigo, pede foto, pede abraço e pede para eu declamar um cordel, até um idoso que me agradece por um cordel que ouviu. Os que falam comigo após uma palestra dizendo que gostaram, dizendo que saíram de lá com uma visão diferente sobre a vida. Isso tudo me fortalece para que eu não venha a desistir dos meus sonhos.

Alguém já te fez pensar em desistir dos seus sonhos?

Em um dia entrei em um grupo de Whatsapp e a maioria dos DDD’s desse grupo eram de outros estados. E aí eu comecei a postar os meus cordéis para divulgar o meu trabalho. Alguém comentou que eu deveria me retirar do grupo porque meu DDD era 89, e é um DDD do Nordeste. Eu disse: “Sim, mas qual o problema de ser do Nordeste? ”. Ele disse: “Nós não aceitamos nordestinos nesse grupo porque nordestinos são burros”. Eu respondi: Vocês estão tendo uma ideia totalmente errada do Nordeste. E eu comecei a debater com eles. Falavam: “Cara, você só bebe lama, mora em casa de taipa”. Começaram a falar muito mal do Nordeste. Eu disse que só entrei no grupo para compartilhar meus cordéis. Um rapaz comentou: “Duvido se esses versos são seus porque nordestinos são acéfalos, eles não têm a capacidade de fazer versos como esses”. Aí eu já estava desanimado um pouco de não ter oportunidade, de não ser valorizado. Depois desse dia que tive que sair de um grupo por ser nordestino, confesso que o desânimo se tornou maior. Pensei em desistir.

Qual seu maior sonho?

Meu maior sonho é ter uma carreira consolidada, lançar meus livros e cuidar da minha família. Dar uma condição financeira melhor para minha família, casar, ter os meus filhos e ajudar as pessoas através da poesia. A poesia não é só pra ajudar a mim e a minha família, mas também ajudar a tantos outros, como por exemplo no cordel sobre suicídio que tem ajudado tantas pessoas. Assim como diversos que posto diariamente nas redes sociais e recebo mensagens de carinho. Parte do meu sonho tem sido alcançado, só que ainda falta um pouco. Ainda falta mais reconhecimento, crescer no meu trabalho e voar mais alto para ajudar tanto meus familiares, como qualquer pessoa que precisar de mim ou de meus versos. Qual conselho você dá para quem está pensando em desistir dos seus sonhos? É ter paciência, porque as coisas acontecem no tempo de Deus, no tempo certo. Eu lembro que quando saí daquele grupo do Whatsapp, que pensei em desistir dos meus sonhos, eu criei uma frase que diz: “Ainda bem que não mando no meu destino. Já pensou, se por ignorância, eu escolhesse não ser nordestino?”. Hoje esse cordel meu está na maior página de valorização da cultura nordestina no Facebook e Instagram, a Nordestinos. Também está nas camisas que eu vendo. O que eu quero com isso é que quando se tem um sonho, e você não desiste dele, uma coisa ruim você pode transformar numa coisa boa, a seu favor. Não pode é desistir, porque tudo acontece no tempo de Deus.

Por Daniel Gomes

Bacharelando em Administração pela Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), funcionário público. Entusiasta de questões ambientais, participa de projetos do Núcleo de Economia Circular, Inovação e Sustentabilidade (NECIS) em Petrolina-PE

FOTOS: Otávio Veloso

Comentários

Artigos relacionados

Fechar