Os casos assintomáticos de dengue -aqueles em que as pessoas são picadas pelo mosquito Aedes aegypti, mas não apresentam sintomas- preocupam especialistas. Estimativas apontam que eles representam de 30% a 50% dos infectados, em média, de acordo com infectologistas ouvidos pela reportagem.
“O problema dos assintomáticos é que eles não procuram o sistema de saúde e servem para expandir a doença, transmitindo para o mosquito que se infecta e transmite a outras pessoas. O assintomático não será notificado, não será conhecido pelo sistema de saúde e nem tratado para tal”, explica Antonio Carlos Bandeira, membro do Comitê de Arboviroses da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia).
“O assintomático é um risco em termos de saúde pública, porque facilita a contínua expansão de casos de dengue”, ressalta Bandeira.
Ele ainda alerta para a possibilidade de algumas pessoas -em especial, crianças e adolescentes- desenvolverem somente um sintoma, como por exemplo, a febre.
“Adolescentes e crianças podem mostrar apenas uma parte dos sintomas. Com adultos também pode acontecer isso. Essas pessoas podem ter uma febre específica. Então, o sistema de saúde tem que estar muito atento mesmo para os sintomas que não fecham toda a característica de um caso clássico de dengue. As pessoas que começam a ter somente febre, mas estão vivendo em áreas com muita transmissão de dengue, teriam que ser investigadas”, afirma.
Para Paulo Abrão, vice-presidente da Sociedade Paulista de Infectologia, é importante ter noção do número de casos de dengue assintomáticos e explicar para a população que é preciso redobrar os cuidados na prevenção.
“Se há 500 mil casos notificados, são de pessoas sintomáticas, que foram até o médico, se apresentaram, fizeram um diagnóstico e foram notificados. Se a gente considerar que 50% dos casos são assintomáticos, isso significa que nós temos mais 500 mil pessoas doentes que não sabem que estão doentes. Quanto mais casos, mais assintomáticos, mais o mosquito tem onde picar e pegar o vírus do sangue e transmitir para outra pessoa”, explica Abrão.
COMO SABER SE JÁ TIVE DENGUE E FIQUEI ASSINTOMÁTICO?
Segundo Antonio Bandeira, o exame sorológico para dengue detecta anticorpos da doença.
“A partir do 10º, 12º dia do quadro inicial da dengue, a pessoa já produz anticorpos IgG e eles são permanentes, para o resto da vida. Esses anticorpos não servem para fazer o diagnóstico da doença aguda, que estava ocorrendo naquele momento. Eles são um marcador de que a pessoa teve a dengue em algum momento no passado”, explica Bandeira.
A dengue possui quatro sorotipos. Quando um indivíduo é infectado por um deles adquire imunidade contra aquele vírus, mas ainda fica suscetível aos demais.
Na reinfecção, a doença pode se apresentar na forma grave, segundo o infectologista Ralcyon Teixeira, do Hospital Emilio Ribas.
A vacinação tem a possibilidade de eliminar o risco do segundo episódio de dengue ser pior.
“Um foco para o futuro é tentar ampliar a quantidade de pessoas contempladas pela vacina, do ponto de vista de saúde pública e quando tiver melhor o estoque na rede privada. A vacina da dengue consegue agir melhor em quem já teve o primeiro episódio da doença evitando a forma grave caso ocorra a segunda vez”, afirma Teixeira.
No cenário atual, é importante se proteger. Use repelente aprovado pela Anvisa (agência Nacional de Vigilância Sanitária). O médico Antonio Bandeira aconselha o produto a base de icaridina, por ser mais seguro. Opte por calças e blusas com mangas compridas. E quem puder, tome a vacina.
“Temos um dever de casa público para fazer. Um é a urbanização das áreas mais críticas, favelas, comunidades. E a urbanização completa do país, em termos de esgoto. Sabemos que o mosquito coloca os ovos em água suja e limpa”, diz Bandeira.
“Se o Brasil fosse uma Suíça, mesmo com essas temperaturas elevadas, não teríamos o número de casos que temos hoje. Não é somente o mosquito, não é somente o calor. Praticamente há mosquitos nos 5 mil municípios do país. E agora, com o fenômeno do aquecimento, muitas das cidades das regiões Sudeste e Sul, especialmente na parte mais oeste, passaram a estar cheias de mosquitos, porque eles se propagam nesse corredor de calor”, finaliza Bandeira.
Na opinião de Paulo Abrão, se cada grupo de vizinhos fizesse uma força-tarefa para eliminar criadouros e denunciar à prefeitura os terrenos baldios descuidados, a situação estaria melhor em relação ao número de casos. O médico também orienta o uso de repelentes aprovados pela Anvisa e apropriados de acordo com a faixa etária, a colocação de telas nas janelas e de mosquiteiros.
“E ter essa noção da transmissão silenciosa é importante porque aumenta a conscientização e os alertas em relação às medidas de prevenção”, diz o médico Paulo Abrão.
Folhapress