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UFPI cria comissão que evitará que “brancos” passem pelas cotas raciais

Além da matéria do portal, várias entidades questionaram critérios; Chefe do serviço de programação confirmou que a partir de agora foi implantada a comissão de heteroidentificação

Esta quarta-feira, 5 de junho, é o segundo dia para milhões de jovens brasileiros se inscreverem no Sistema de Seleção Unificado (Sisu), principal porta de entrada para a maioria das universidades públicas do país. Em alguns dias, o sonho de muita gente vai ser realizado, com o acesso ao ensino público superior.

E, claro, o sonho de outros concorrentes no Sisu será adiado. Alguns, inclusive, podem não ter acesso ao sistema de seleção por “fraudes institucionalizadas”. Especialmente quando o assunto diz respeito ao polêmico ingresso ao ensino superior por meio das cotas raciais.

Por que o título de “fraudes institucionalizadas”? É que a Lei 12.711/2012, popularmente conhecida como Lei de Cotas, apresentou algumas brechas para que candidatos que não se enquadram, claramente, como “pretos, pardos ou indígenas”, se inscrevessem como tal para conseguir aprovação em curso superior.

A Lei 12.711/2012 permitia que cada instituição, por estado, definisse seus próprios critérios. E isso fez com que muitos “brancos” que se disseram de origem “negra, parda ou indígena” entrassem em um curso superior. Boa parte das instituições não fazia a devida investigação. Na maioria das vezes pela pouca estrutura que tem.

Só que a partir de agora este não é mais o caso da Universidade Federal do Piauí. A Ufpi passa a ser uma das poucas instituições de ensino superior do Brasil que implantará  uma comissão de heteroidentificação. Ou seja: um grupo composto por três membros entrevistará cada candidato que aderiu às ações afirmativas destinadas a pretos, pardos e indígenas.

A questão fenotípica (características físicas como pele, cabelo e demais traços negroides) será levada em consideração pela banca. Por conta disso, a presença do inscrito neste Sisu é indispensável. Representantes dos candidatos não serão aceitos. Isso acabará -ou pelo menos diminuirá- a presença de não “pretos, pardos ou indígenas” nas vagas destinadas a estas cotas.

Em todo o Brasil, várias entidades lutam para que negros, pardos ou indígenas realmente passem pelas cotas raciais (Foto: Reprodução)

OITOMEIA DENUNCIOU FRAUDES

Em janeiro deste ano, uma reportagem do OitoMeia tratou do assunto. Intitulada Estudantes brancos são aprovados através das cotas raciais em universidades do Piauí, a matéria mostrou o ingresso de vários alunos que não eram claramente “negros, pardos ou indígenas” fazendo cursos disputados como Direito e Medicina por meio de cotas.

Na época, com base na lista de aprovados no sistema de cotas do Instituto Anísio Teixeira (Inep) e por meio de fotos desses alunos comemorando a aprovação, a reportagem deste portal constatou a aprovação de “brancos” nas vagas de cotas raciais. Nenhum deles quis se pronunciar, após contato via redes sociais. Mas alguns deles comentaram que estavam no sistema de cotas e que só entraram por se considerarem descendentes.

UFPI NÃO PODIA IMPEDIR MATRÍCULA

Agora isso mudou. O edital lançado pela Ufpi para os aprovados neste Sisu, datado de 31 de maio de 2019, deixa clara a preocupação da universidade em impedir as fraudes nas ações afirmativas raciais. Quando o OitoMeia expôs a existência do ingresso de brancos em vagas de negros, a instituição afirmou que não podia impedir a matrícula porque os jovens estavam amparados pela legislação, já que é garantido ao brasileiro se autodeclarar à cor que quiser (ou pelo menos que lhe seja conveniente).

“Se você for buscar a genética africana e indígena, possivelmente você encontra alguém dos olhos azuis. Quem sou eu para questionar? Eu não tenho competência para isso”, disse, na época da primeira matéria, Djanira Lopes, chefe do serviço de programação, cargo vinculado à Divisão de Programação e Matrícula, lamentando o fato de a universidade ainda não ter uma comissão de heteroidentificação para ingressantes cotistas raciais.

Antes, os supostos cotistas raciais só precisavam assinar este termo se autodeclarando pretos ou pardos (Imagem: Divulgação)

AGORA ISSO MUDOU. E NÃO! NÃO É PRIVILÉGIO

Já nesta quarta-feira (05/06), Djanira voltou a falar com o OitoMeia e confirmou que os questionamentos levantados pela reportagem na matéria publicada em janeiro de 2019, assim como os de várias entidades acerca do que estas chamam de “fraudes institucionalizadas” no sistema de cotas, motivaram a administração superior a criar essa comissão de heteroidentificação. Djanira afirmou que o principal objetivo é garantir o direito que as minorias raciais do Brasil tanto lutaram. “E não! Não se trata de privilégio. É um reconhecimento de que as oportunidades na educação pública brasileira nunca foram iguais entre negros e brancos”, comentava, na época da citada matéria, uma dessas entidades.

“No início do ano, além de vocês do OitoMeia, nós recebemos alguns questionamentos via ouvidoria da UFPI e a gente respondeu o que eu respondi para você: que o MEC só exige a autodeclaração. Como a gente viu que várias instituições de todo o Brasil estavam adotando esse processo, nós resolvemos criar a nossa própria comissão, por conta dessa discussão nacional, sendo uma discussão muito antiga de fazer valer os direitos dessas pessoas que vêm, há muito tempo, sofrendo esse tipo de exclusão. Agora, as cotas vêm para garantir um pouco dessa inclusão”, assegurou Djanira.

O PROCEDIMENTO DE HETEROIDENTIFICAÇÃO

Para entender como será feito este procedimento: o edital do processo seletivo para o ingresso nos cursos de graduação da UFPIprevê que o aluno, assim que aprovado no Sisu, deve preencher um formulário eletrônico no site da universidade, acessando usando o Cadastro de Pessoa Física (CPF). Respondido o questionário, o candidato deve levá-lo consigo no dia da entrevista, cuja data ainda não foi definida. A banca será marcada pela diversidade de gênero e de cor, a fim de garantir maior transparência aos ingressantes.

O candidato que não for aprovado e que discordar do parecer terá uma única oportunidade de pedir a reconsideração do mesmo. Neste caso, uma data será comunicada aos ingressantes para um novo procedimento de heteroidentificação. Se a comissão indicar, por maioria, que não foram identificadas características fenotípicas de pessoa preta ou parda ou se constatar a não apresentação de documentos que comprovem a condição indígena, o candidato não poderá efetivar sua matrícula na UFPI.

UFPI a partir de agora passa a investigar se o inscrito nas cotas raciais é mesmo negro, pardo ou indígena (Foto: Édrian Santos / OitoMeia)

FONTE: Oito Meia

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