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Projeto do MP mapeia o tráfico de drogas e quer reduzir crimes em cidades do Piauí

O tráfico de drogas se tornou o maior problema do Brasil. É um negócio ilegal que propaga violência, assassinatos, roubos e movimenta R$ 1,4 bilhão em todo o país. O consumo e o tráfico provocam danos, muitas vezes irreversíveis, gerando custos sociais e econômicos por parte do poder público. As drogas não distinguem cor, raça ou classe social e não se resumem mais aos grandes centros. Os entorpecentes estão invadindo o interior do Brasil. No Piauí, uma iniciativa do Ministério Público do Estado (MPE) quer impedir, que municípios piauienses se tornem verdadeiras fortalezas do tráfico, como já acontece no vizinho estado do Ceará, invadido por facções criminosas. O projeto “No Alvo, contra o Tráfico de Drogas” vai atuar inicialmente em 7 cidades: Altos, União, Floriano, Barras, Uruçuí, Campo Maior e Esperantina. Nas duas primeiras, ainda em 2018. O ponto de partida foi o município de Altos, a 42 km ao Norte de Teresina. Lá, o MP e os parceiros do projeto como – as polícias civil e militar – já identificaram os principais locais com incidência de crimes.
“Essa ideia é um projeto de segurança pública para prevenir e combater o tráfico de drogas no interior do Piauí em 7 cidades. Em parceria com o núcleo de estatística da Polícia Civil e da Secretaria de Segurança, a gente faz um levantamento da criminalidade local em cima de vários sistemas que a polícia já tem. Em cima disso nós fazemos umas manchas de calor, que nós chamamos de hot spot. Essas manchas mostram a maior incidência dos crimes de roubo, por exemplo”, afirma o promotor de Justiça Sinobilino Pinheiro, do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça Criminais (CAOCRIM), coordenador do projeto.

Promotor Sinobilino Pinheiro: o crime está migrando para o interior. Foto: Hérlon Moraes
Com base nas estatísticas, o alvo do projeto em Altos será o Centro da cidade. “Em Altos, a gente definiu onde o tráfico de drogas está acontecendo e gerando outros crimes. Tem o levantamento de campo, onde a polícia se dirige ao local, entrevista as pessoas, autoridades, para ver se essa impressão do sistema é realmente a que vai ocorrer. Centralizada a região nós vamos fazer um trabalho de combate e vigilância por parte de várias instituições”, acrescenta o promotor.
No último dia 7 de novembro, o MP realizou um workshop no Fórum Desembargador Odorico Rosa e apresentou o relatório estatístico para as autoridades locais como a PM, Guarda Municipal, Prefeitura, dentre outras. “É o ponto de partida. Agora vamos exigir que essas instituições nos apresentem um plano de prevenção e combate até janeiro de 2019”, afirmou o promotor. Participaram do evento, o Promotor titular da 2ª Procuradoria de Justiça de Altos, Paulo Rubens Rebouças, o secretário de Segurança Pública do Estado do Piauí, Coronel Rubens Pereira e a Promotora Carmelina Moura, chefe da Assessoria Especial Administrativa do Procurador-Geral de Justiça.
Na prevenção, o projeto prevê ações sociais nas escolas através da PM, Civil, além do próprio MP. “No nosso caso, temos o ‘Paz nas Escolas’. Já no campo do combate caberá à polícia civil com o apoio da Depre e do Greco identificar os possíveis traficantes distribuidores dessa região para que possa instaurar um procedimento investigatório, realizar prisão se for o caso, buscas e apreensões”, detalha.
Segundo o MP, no levantamento da Polícia Civil está claro que há uma migração da criminalidade para o interior do Estado e uma das fortes causas disso é o tráfico de drogas. “Ele alimenta outros crimes como roubos, latrocínios e a vida. Uma coisa gera a outra. A finalidade é fazer com que reduza a criminalidade localizada. Muitas vezes, a gente tem visto isso: a criminalidade localizada por causa do tráfico de drogas representa de 50 a 60% da criminalidade do município todo. Na medida que você faz algo centralizado, a criminalidade tende a cair”, destaca.
O promotor ressalta que a ação principal do projeto é promovida pelo município. “A segurança pública não é armamento e não se restringe à polícia nas ruas. É mais do que isso. É serviço público, regras de trânsito, policiamento próximo da sociedade e não somente de forma ostensiva. Veja o que aconteceu em Medelin na Colombia: engajamento social, empoderamento social. Como as causas são diversas, as soluções também são diversas. Isso tem que vir de vários setores”, lembra.


Criada em 2001, a Guarda Municipal de Altos é composta de 19 policiais atuando em rondas preventivas no município, principalmente em logradouros públicos. Para o comandante da corporação, o projeto do Ministério Público chega para unir forças contra a criminalidade.

“Hoje nós estamos mais focados nas rondas preventivas de prédios, postos de saúde, hospital e logradouros públicos. É muito importante a união das forças, tanto da Guarda, Polícia Militar, Polícia Civil e o Ministério Público também que é uma grande força, um grande aliado contra esses crimes que assolam não só a nossa cidade, mas todo o país. Quanto mais instituições envolvidas nesse trabalho, melhor para a sociedade”, afirma o comandante Raimundo Ferreira.

Segundo ele, o projeto vai iniciar por uma área bastante movimentada e que concentra realmente a maior quantidade de delitos. “O tráfico se instala onde tem a maior concentração de pessoas. No Centro nós temos colégios, bares, pontos vulneráveis e infelizmente o traficante para vender a drogas faz isso: se instala em locais com maior número de pessoas. O trabalho no Centro seria o começo desse projeto”, ressaltou, destacando que em janeiro a Guarda passará a andar armada.

“A nossa Guarda Municipal está passando por uma reestruturação. Já estamos trabalhando a questão do armamento e acredito que a partir de janeiro teremos esse armamento em mãos”, afirmou.

Causas sociais e criminalidade

Segundo o promotor, as causas sociais estão ligadas diretamente à criminalidade. Se uma escola não funciona como deveria, os alunos estão em risco. Até mesmo a ausência de um posto de saúde contribui. “O pessoal que vai pra campo é justamente para tentar identificar causas sociais ligadas a essa criminalidade. Por exemplo, nesse local a iluminação pública é ruim ou não funciona um posto de saúde ou a escola que tem lá não funciona a contento. Nós vamos chamar o município e dizer: olha vocês têm até agosto de 2019 para apresentar um plano e executar”, explica o membro do MP.
Segundo ele, com as atividades em andamento, a criminalidade continuará sendo monitorada como forma de medir sua efetividade. “Todos os parceiros vão apresentar um plano de prevenção e até agosto já tem que estar implementado e comprovado perante o MP de Altos. Ao final a gente faz um novo relatório mostrando que esses índices de criminalidade reduziram e que o projeto foi efetivo ou não. Esse projeto fica na cidade. Nada impede de ele ir para outro local”, explica.
Todas as cidades envolvidas já estão com o levantamento da criminalidade pronto. Ao final do projeto, o MP vai premiar os municípios que mais reduziram o tráfico de drogas. “Nós queremos é mapear a criminalidade. Onde e por qual motivo está ocorrendo isso. E que ela tenha alguma ligação com o tráfico de drogas. Nós temos como identificar isso. Em novembro de 2019 nós vamos ter uma premiação do MP para os três municípios que mais reduziram a  criminalidade”, afirma.

Adesão

As cidades envolvidas no projeto não foram escolhidas à toa. Basta o promotor de cada município aderir. Para 2019/2020, a fila de interessados já começou a ser formada. “O promotor da cidade tem que aderir ao projeto. O projeto é 2018/2019. Os que aderiam foram estes que já falamos, mas já tem outros na lista como Água Branca e Picos que ficarão para 2019/2020. É uma maneira diferente de se combater a criminalidade, não somente com combate, mas com prevenção, orientação da população, engajamento social. Em 8 meses serão diversas ações em um mesmo local, de forma que isso acabe naquela região e a população sinta que deu certo e vá para outras regiões”, pontua.
E foi assim que fez o promotor Paulo Rubens, do MP em Altos. Segundo ele, o projeto é fundamental para o município. “É fundamental esse projeto aqui em Altos, já que é uma cidade próxima a Teresina e pega influência da capital, a boa e a ruim também. Tem o consumo de drogas considerável e se tem tráfico, tem uso. Precisamos trabalhar de forma preventina na educação das pessoas dos malefícios do uso do entorpecente e também na repressão do tráfico. Esse projeto tem uma virtude muito grande de ter escolhido um municipio próximo a Teresina e que tem problema nessa área. Tem sobretudo a questão de violência associada a roubo e a necessidade de atuação no combate ao tráfico. É virtuosa iniciativa e vamos torcer para ter êxito e que os resultados almeijados sejam alcançados”, afirmou.
Foto: Thiago Amaral/Cidadeverde.com
De acordo com o coordenador do projeto, a droga é um ciclo vicioso que se espalha por todo o país. “Quanto maior é o consumo, maior é o tráfico. Havendo maior tráfico há maior produção de drogas. Havendo um consumo maior, o usuário vai chegar a um ponto que necessita roubar, furtar para pagar a droga de consumo sob pena até de perder a vida. Isso está chegando muito fortemente no interior do Estado. Ainda não tanto quanto o estado do Ceará que está praticamente dividido por facções. É como se fosse o último estágio desse ciclo vicioso. O Piauí ainda não está assim em várias regiões. Temos condições de fazer esse trabalho onde não tem uma ocupação territorial por parte facções. Elas existem aqui, mas ainda desarticuladas”, alerta.
A preocupação do promotor é real. Nos últimos três anos, a Delegacia Especializada em Prevenção e Repressão a Entorpecentes (Depre) apreendeu mais de 21 mil quilos de drogas. Foram 1527 pessoas presas entre os anos de 2015 e 2017 e quase R$ 1 milhão apreendido. As ações de combatem também estão nas estradas federais que cortam o Estado. Segundo a Polícia Rodoviária Federal (PRF), em 2017 foram apreendidos 29 quilos de cocaína e 293 de maconha. Este ano, só de cocaína já somam 44 quilos apreendidos e 431 de maconha. Já o crack foram 15 quilos em 2018 e 7,4 no ano passado. Somente numa abordagem da PRF na cidade de Floriano em 6 de novembro foram apreendidos 300 kg de maconha. A maior do ano.

As estatísticas só mostram que o tráfico de drogas é o pano de fundo para a realização de vários outros crimes. Segundo o coronel Rubens Pereira, secretário Estadual de Segurança Pública, isso acontece em 90% dos casos.

“Quando a gente olha as estatísticas da segurança pública e isso não é só no Piauí, 90% das ocorrências, dos fatos que geram BO, inquéritos e termos circunstanciados de ocorrência, têm como pano de fundo ou consumo de drogas – seja lícita ou  ilícita, mas principalmente a ilícita e, por sua vez, o tráfico de entorpecentes. O foco dessa gestão foi de combater o traficante, o profissional do crime. Alguém que está explorando e se aproveitando de uma outra pessoa na ponta. Essa pessoa para manter o seu vício começa a cometer pequenos furtos. Esses crimes contra o patrimônio são os que mais perturbam a população. Começam furtando, depois vem o roubo e, mais além, o latrocínio – que é roubo seguido de morte. Daqui a pouco ele  já passa a ser mesmo é um profissional do crime. É uma grande rede que nós precisamos desmontar a partir de uma repressão qualificada”, disse ao Cidadeverde.com.

O secretário ressalta que o tráfico de drogas é um problema complexo e que precisa de auxilio do governo federal, já que ultrapassa fronteiras. “A demanda envolve vários setores de atuação e muito mais em nível nacional. O tráfico de entorpecentes ultrapassa as divisas e fronteiras do país. Estamos lidando no Brasil com organizações criminosas  profissionais dedicadas e que vivem disso. Se esse sistema existe ilegalmente, alguém está dirigindo, comandando, seja de dentro das cadeias, presídios. Já há levantamentos de organizações instaladas em determinados estados, facções que controlam e atrás de tudo isso está o tráfico de drogas. Não é fácil apenas para os estados combaterem isso”, alerta.

Inteligência contra o crime

Parceiro do Ministério Público no desafio de combater o tráfico de drogas, uma das armas usadas pelo aparato de Segurança Pública do Piauí, por exemplo, é a rede de inteligência montada no Estado.

“Nós estamos enfrentando com muita coragem através da inteligência. Nós já desmontamos e evitamos vários assaltos e crimes por conta da atividade de inteligência. Nós precisamos de uma inteligência policial que tenha instrumentos tecnológicos capazes de chegar a essas organizações, mas não só isso: que essa inteligência possa ser integrada. Por isso nós estamos estabelecendo um protocolo de atuação com todos os estados do Nordeste. Se nós tivéssemos uma grande rede de inteligência integrada, talvez tivéssemos mais resultados. Mas já estamos trabalhando isso”, destaca.

O secretário lembra  que o Brasil não é um grande produtor de drogas, mas os  vizinhos são. Isso deixa o pais vulnerável de Norte a Sul. “Essa droga está chegando, está vindo pra cá. O Piauí, por exemplo, é uma rota. Alguns municípios já estão sendo atingidos. É uma transição dessas rotas de tráfico. Precisamos nos unir”,  ponderou.

O gestor aposta também na prevenção como forma de sufocar o mercado. Sem consumidor não existe tráfico. “Se toda essa rede existe, tem alguém que está consumindo. Precisamos ter mais campanhas de conscientização, assim como fizemos quando não usavam o cinto de segurança. Precisamos envolver a sociedade. Cada instituição em nível municipal pode fazer. Temos instrumentos para isso, como as escolas. É um desafio muito grande e a união faz força. Não adianta imaginar que a gente vai resolver o problema do tráfico apenas prendendo traficante. Isso é um mercado. Quando você prende um traficante, os consumidores vão continuar a existir e vão buscar possibilidades para manter o vício”, ressalta.

Existe vida após as drogas

Em todo o mundo, segundo a Agência da ONU para Drogas e Crime (UNODC), estima-se que 200 milhões de pessoas usem drogas ilicítas. Isso equivale a 4,8% da população. Os efeitos, como todos já sabem, são devastadores. A batalha contra os entorpecentes é longa, mas pode terminar sim em final feliz se o usuário procurar ajuda. Um exemplo de vitória é o fotógrafo Marcus Fernandes, de 34 anos. Como muitos, a droga cruzou seu caminho na escola.

“Eu entrei nas drogas como a grande maioria: na escola, infelizmente. Os meus defeitos de caráter me levaram a fazer coisas erradas e finalizei nas drogas. Eu mentia, roubava, enganava, achava que era mais esperto e acabei indo para o mal caminho. Eu andava com pessoas de intenções ruins, o que me levou a usar drogas”, conta.

Em 2009, já no fundo do poço, o rapaz resolveu procurar ajuda na Comunidade Terapêutica do Piauí Fazenda da Paz, criada em 1994. “Eu procurei ajuda quando percebi que não tinha condição de eu sair sozinho dessa. Procurei a Fazenda da Paz, em 2009. Até hoje eu continuo de pé”, lembra.

A comunidade já atendeu mais de 23.000 dependentes químicos e seus familiares. O tratamento é gratuito. Hoje, quase dez anos depois, Marcus coordena o setor de comunicação da entidade. “Chega uma hora que você não consegue mais. Eu já tinha perdido tudo, vendido tudo.Perdi credibilidade, perdi profissão. Só faltou eu morar na rua. Graças a Deus a minha família não desistiu de mim e com esse apoio e dos verdadeiros amigos eu fui parar na Fazenda da Paz”, ressalta.

Foto: Catarina Malheiros

O conselho do fotógrafo para quem se encontra no mesmo dilema que ele viveu é simples: procure ajuda. “Procurem ajuda, pois sozinho a gente não consegue. É o que a gente sempre diz. Eu sou um exemplo. Eu consegui e outras pessoas também podem conseguir.”, finalizou.

A Fazenda da Paz atua nos estados do Piauí e Maranhão atendendo dependente químicos de ambos os sexos e de diversas faixas etária (adolescentes, jovens e adultos), em condição socioeconômica desfavorável e expostos a marginalidade por abandono social e familiar.

Ao final de dois anos, através do projeto “No Alvo, contra o Tráfico de Drogas” , o Ministério Público quer ter reduzido a incidência dos crimes de tráfico de drogas em 14 municípios do Estado do Piauí com mais de 30.000 habitantes.

FONTE: Cidade Verde

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