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Piauiense compõe jingle eleitoral genérico que é sucesso em todo país

Patrício e Karkará estavam montando um álbum só com esses jingles genéricos, que pudessem ser usados por vários candidatos.

Quem já viu um evento de campanha eleitoral em 2020, especialmente no interior do país, tem grande chance de ter ouvido “ele é querido, atencioso, trouxe a liberdade paro o nosso povo” e outros versos elogiosos que podem servir para qualquer candidato.

O jingle genérico “O homem disparou“, foi composto pelo piauiense César Araújo a pedido do empresário cearense Francisco Neto, que mora em São Paulo e em sua letra fala sobre um político qualquer, usando a melodia de “Menina pavorô”, musica que é hit da banda brasiliense Forró Perfeito, escrita pelo mineiro João Silveira, que é cantor, compositor e empresário do grupo. Ela tocou muito no Nordeste na época, mas não chegou a ser hit nacional.

Karkará e César Araújo em clipe de “O homem estorou” – Foto: YouTube

No início de 2020, o empresário foi procurado por um pré-candidato a prefeito no interior do Piauí, em busca de um jingle. Como ainda não era período eleitoral, ele não podia citar o nome do candidato. A faixa se espalhou pela internet e despertou o interesse do empresário paraibano Patrício da Costa, que mora em Recife e agencia o cantor cearense Karkará, do grupo Vilões do Forró.

Patrício e Karkará estavam montando um álbum só com esses jingles genéricos, que pudessem ser usados por vários candidatos. Eles chamaram César para participar e cantar sua faixa. Regravada por César Araújo, Karkará e os Vilões do Forró, com direito a videoclipe, a faixa estourou de vez, usada até por campanhas que concorrem entre si.

“No dia da convenção dos partidos era eu falando com alguém no WhatsApp e mais quatro ou cinco chamando ao mesmo tempo”, disse o empresário musical, Patrício da Costa. As chamadas eram de candidatos querendo usar a música “O homem disparou”.

O jingle disparou

A ideia colou: basta buscar o nome da música no YouTube para ver cenas de carreatas e comícios com a mesma música – só muda o nome e o número do candidato. O ritmo é o da pisadinha, vertente do forró feita só no teclado que embala festas com caixas potentes, os “paredões de som”.

O jingle genérico que roda o Brasil também tem uma história que cruzou o país.

Coletânea genérica

“O povo ficou sete meses parado com a pandemia, sem trabalho. Aí eu pensei: vai ter campanha política, quem sabe a gente consiga vender algo? Vamos arriscar. A gente joga na internet e vê o que dá”, conta Patrício.

O álbum tem outras faixas como “Vamos ganhar de novo”, “Tô com você de novo”, “A vitória chegou” e “O povo quer o novo”. “A ideia era fazer músicas que se pareçam com a história de todo candidato”, explica Patrício.

A prática de divulgar jingles “de demonstração” não é inédita no mercado. Há outras produtoras que fazem estas faixas básicas para os clientes arrematarem com nome e número.

A diferença é que Karkará e os Vilões do Forró, já conhecidos no forró cearense, assinaram o projeto como artistas e trataram como um álbum real. E foi com uma prática comum no forró, de identificar um hit em potencial e armar uma parceria, que eles acertaram.

Rivais na política, unidos no piseiro

“‘O homem disparou’ virou febre. A gente fez também ‘A mulher disparou’. Tem lugar em que os dois partidos querem”, conta Patrício. A fala dele é corroborada por relatos nas redes sociais de gente que diz ouvir a música saindo de caixas de som rivais.

César Araújo, de 26 anos, descreve a criação: “Fui para um estúdio caseiro de um amigo meu na zona rural de Milton Brandão, humilde igual a mim. Só botei o playback de teclado e fui fazendo parte por parte. Acho que em menos de meia hora já estava pronta”, ele conta.

Ele teve medo quando a música feita sem pretensão para uma pré-campanha anônima começou a se espalhar. Ele mora em Pedro II, cidade de 38 mil habitantes no norte do Piauí, mas o jingle era para Milton Brandão, município vizinho, ainda menor, de 7 mil habitantes.

“Do nada a música começou a ser compartilhada. Eu não queria ter meu nome ligado a política, mas não teve jeito. Começou a explodir nas cidades vizinhas. Em um mês, me ligaram do Rio Grande do Norte. Aí me dei conta, e veio a avalanche”, ele lembra.

“A música já teve uma versão compartilhada pelo Ney Lima (influencer baiano com mais de 3,6 milhões de seguidores) e pelo Tirulipa”, ele conta orgulhoso. Os humoristas postaram um vídeo que usa a música para divulgar uma candidata travesti fictícia.

Pisadinha certeira

Essa simplicidade da pisadinha, forró todo feito no teclado, é uma das características que faz o estilo se espalhar pelo Brasil, como o G1 explicou nessa reportagem.

“O homem disparou” segue a fórmula de novos ídolos como os Barões da Pisadinha – que o G1 também explicou aqui no ‘Barômetro da pisadinha’:

o som forte e seco da caixa de bateria;

uma frase de teclado marcante logo no início;

melodia festiva que combina com as “festas de piseiro” – vide o “pararapapa” no fim da música.

O homem liberou

A parceria deu tão certo que Patrício virou sócio de Francisco para empresariar também a carreira de César Araújo, além de Karkará e os Vilões do Forró. Eles criaram uma linha de montagem para autorizar e customizar o jingle.

César ou Karkará regravam só um pedacinho, citando o nome do cliente no refrão (“Fulano disparou”) e o número da candidatura.

Com isso, os empresários passam o dia todo negociando e os cantores, gravando os acréscimos. “Karkará chegou a adoecer, de tanto cantar, ficou com dor no peito”, conta Patrício.

Francisco diz que eles cobram entre R$ 1 mil e R$ 2 mil para liberar e gravar a faixa customizada, dependendo do tamanho da candidatura.

“Eu trabalho muito com show no interior, e meu interesse é que o prefeito ganhe e contrate meu show. Então, pelo relacionamento, às vezes eu nem cobro pelo uso”, conta o empresário.

César diz que eles gravaram jingles para mais de 200 cidades, mas os empresários acham que foi mais e dizem que já perderam as contas.

Zona eleitoral

Os empresários sabem que tem candidato que adapta por conta própria, sem pedir autorização, ou usa a versão que não cita nome mesmo. Eles dizem que vão acionar a justiça contra essas pessoas.

Uma contestação judicial, no entanto, pode esbarrar na decisão do STJ que encaixou a versão eleitoral de Tiririca para uma música de Roberto Carlos como “paródia”, e abriu um precedente para adaptações não autorizadas, como o G1 contou.

No caso de “O homem disparou”, há outra complicação: o próprio jingle genérico já era uma versão feita inicialmente sem autorização, usando a melodia de “Menina pavorô”, do Forró Perfeito.

A equipe de César e Karkará correu para resolver isso. Após o sucesso, eles assinaram com João Silveira, compositor, cantor e empresário da banda brasiliense (cujo maior hit, em 2010, foi o forró “Samara”), um acordo para a utilização da obra.

Segundo Patrício, a liberação custou R$ 2,5 mil. João diz que o acordo garante a ele participação como coautor na arrecadação de direitos autorais de “O homem disparou”, já cadastrada em serviços de streaming como Spotify e o próprio YouTube.

João diz que nunca quis barrar a versão, e comemora o sucesso que começou com sua melodia e virou jingle festivo “Todo dia eu recebo mais de vinte mensagens falando de lugares em que estão usando a música. De certa forma, estão me divulgando também”.

Meio Norte

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