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O monstro da indiferença faz acelerar a miséria

Já sabíamos que os menos de 2.200 bilionários do planeta detém mais riqueza do que os 4,6 bilhões de seres humanos.

O relatório “O Vírus da Desigualdade”, lançado pela organização Oxfam neste dia 25 de janeiro, por ocasião do Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suiça, deixa-nos perplexos, por mais que saibamos que o mundo observa em velocidade crescente o aprofundamento do fosso social entre os pouquíssimos mais ricos do mundo e os mais de 60% da população mundial.

Já sabíamos que os menos de 2.200 bilionários do planeta detém mais riqueza do que os 4,6 bilhões de seres humanos. Já sabíamos, também, que a desigualdade global ( e também brasileira) está em níveis recordes, e simplesmente dobrou nesta última década. E que isso vem afetando, de maneira perversa, sobretudo mulheres e crianças.

Mas o que a Oxfam agora revela é espantoso: as mil pessoas mais ricas do mundo levarão apenas nove meses para ver suas fortunas retornarem aos níveis pré-pandemia, enquanto os mais pobres vão levar 14 vezes mais, ou seja, mais de dez anos, para conseguir repor as perdas devido ao impacto econômico da doença. Muitos, na caminhada, serão tragados pela morte.

Em fevereiro de 2020, foi identificado o valor da fortuna dos mais ricos, representando 100%. Em março, essa riqueza caiu para 70,3%, mas já voltaria aos 100% em novembro. Como base de comparação sobre a velocidade dessa recuperação, o estudo mostra que na pós-crise financeira que eclodiu em 2008, os mais ricos do mundo levaram cinco anos para recuperar o que perderam. Agora, levarão apenas 9 meses. Ou seja: os mais ricos, em velocidade significativamente maior, são os que estão ganhando com a pandemia do coronavírus.

Essas conclusões nos levam apenas a constatar o tamanho da desumana indiferença com que os que podem tratam os que estão no piso inferior, sem representação, sem força, sem voz, e portanto, privados de conquistas e avanços.

O relatório mostra que, em todo o mundo, os bilionários acumularam US$ 3,9 trilhões entre 18 de março e 31 de dezembro de 2020, sendo que sua riqueza total hoje é de US$ 11,95 trilhões, o equivalente ao que os governos do G20 gastaram para enfrentar a pandemia. Apenas os dez maiores bilionários acumularam US$ 540 bilhões no período – o suficiente para pagar pela vacina contra a covid-19 para todo o mundo e garantir que ninguém mais chegue à miséria e à morte.

“A pandemia escancarou as desigualdades – no Brasil e no mundo. É revoltante ver um pequeno grupo de privilegiados acumular tanto em meio a uma das piores crises globais já ocorridas na história”, afirmou Katia Maia, diretora executiva da Oxfam Brasil. “Enquanto os super-ricos lucram, os mais pobres perdem empregos e renda, ficando à mercê da miséria e da fome.”

Diante desses dados, o relatório da Oxfam indica que a pandemia de covid-19 tem o potencial de aumentar a desigualdade econômica em quase todos os países ao mesmo tempo, o que acontece pela primeira vez desde que as desigualdades começaram a ser medidas há mais de 100 anos. Para a Oxfam, a sociedade, empresas, governos e instituições devem agir com base na urgência de criar um mundo mais igualitário e sustentável.

Estamos, verdadeiramente, diante de um gravíssimo quadro de indiferença em todos os níveis das nossas relações. Desde governos que só pensam em “salvar a economia”, mas nada fazem para diminuir as desigualdades e atenuar as tensões sociais que tendem a se agravar diante da miséria, da fome, e da morte pela Covid-19; aos detentores do poder econômico, de bancos a grandes conglomerados globais, sempre exclusivamente interessados em aumentar seus lucros; e também de uma sociedade apática, sem qualquer interesse no outro, que se manifesta e age apenas para expressar seu ódio, seu rancor contra aqueles desiguais para os quais não têm outra forma de olhar.

Ao escrever o seu monumental “Ensaio sobre a Cegueira”, publicado em 1995-portanto há 26 anos-, o notável Nobel de Literatura José Saramago, desponta como um visionário, pois a esse tempo a tragédia social não alcançava as dimensões de hoje, mas já era previsível que mais cedo ou mais tarde chegaria aos níveis inaceitáveis de agora.

Durante uma entrevista em torno dessa sua obra de profunda reflexão, José Saramago – esse genial “agitador de consciências”, como ele próprio gostava de se referir, responde ao repórter, questionando:

“Por que cegamos, não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão. Queres que te diga o que penso? Penso que não cegamos, penso que estamos cegos, cegos que veem, cegos que vendo não veem. É desta massa que nós somos feitos, metade de indiferença, metade de ruindade.”

Saramago revisitava, assim, o filósofo, historiador e político italiano Antonio Francesco Gramsci que dizia “odiar os indiferentes”, ao afirmar que “como Friederich Hebbel acredito que “viver significa tomar partido”. Não podem existir os apenas homens, estranhos à cidade. Quem verdadeiramente vive não pode deixar de ser cidadão, e partidário. Indiferença é abulia, parasitismo, covardia, não é vida. Por isso odeio os indiferentes.”

No seu obrigatório romance, José Saramago cria a figura da “cegueira branca”, um vírus que se alastra pela cidade fictícia que ele imaginou e sai fazendo estragos, explodindo como uma epidemia impossível de ser contida. Não bastasse esse poder de premonição, fica a monumental lição que Saramago nos deixa: o mundo se torna cego, à exceção de uma mulher inominada que testemunha os horrores de uma humanidade está escancarada à prova: egoísmo, ganância, autoritarismo e violência que campeiam em meio às epidemias.

E assim está sendo.

O fato é que a indiferença levará todos à morte, mesmo aqueles que só têm olhos para o dinheiro.

FONTE: Meio Norte

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